Dissertação sobre a forma e os princípios do mundo sensível e inteligível, de Immanuel Kant

Resumo da obra Dissertação sobre a forma e os princípios do mundo sensível e inteligível, de Immanuel Kant

"Dissertação sobre a Forma e os Princípios do Mundo Sensível e Inteligível", também conhecida como Dissertatio de mundi sensibilis atque intelligibilis forma et principiis, foi escrita por Immanuel Kant em 1770 como parte de sua candidatura ao cargo de professor titular na Universidade de Königsberg. Essa obra é essencial para compreender a transição entre o pensamento pré-crítico e a fase crítica do filósofo, culminando na publicação da Crítica da Razão Pura em 1781.

Immanuel Kant

A dissertação se estrutura em torno de uma divisão fundamental entre o mundo sensível (aquilo que é apreendido pelos sentidos) e o mundo inteligível (aquilo que é compreendido pelo intelecto puro). Kant aborda os princípios fundamentais que regem cada uma dessas dimensões da experiência humana, estabelecendo uma base para seus argumentos filosóficos posteriores. Abaixo um resumo da obra.


1. Contexto e Objetivo da Obra

Kant escreve a Dissertação como uma tentativa de responder a questões filosóficas cruciais que surgem no debate entre racionalistas e empiristas. Ele busca resolver como podemos conhecer o mundo e quais são os limites desse conhecimento. A obra também reflete sua preocupação com a metafísica, ciência considerada em crise no período, e sua intenção de reorientar a disciplina para uma base mais sólida.

Kant propõe uma distinção entre dois tipos de conhecimento:

  1. Conhecimento Sensível: Resultante da interação com o mundo através dos sentidos.

  2. Conhecimento Intelectual: Proveniente da razão pura e das capacidades intelectuais.

O objetivo é esclarecer como esses dois modos de conhecimento operam de maneira complementar, mas fundamentalmente distinta.


2. A Distinção entre Sensível e Inteligível

Kant apresenta uma dualidade essencial no modo como os seres humanos experimentam o mundo:

  • Mundo Sensível: Governado pelas condições da sensibilidade (tempo e espaço), este mundo é o domínio dos fenômenos – as aparências das coisas conforme são percebidas por nossos sentidos.

  • Mundo Inteligível: Relativo ao entendimento e à razão, este mundo diz respeito aos noumena – as coisas como são em si mesmas, independentes de nossa percepção sensível.

A distinção kantiana entre fenômeno e noumenon é introduzida aqui em sua forma inicial. Ele argumenta que os fenômenos são objetos de experiência possível, enquanto os noumena são objetos do pensamento puro, acessíveis apenas pela razão.


3. Tempo e Espaço como Formas da Sensibilidade

Um dos aspectos mais inovadores da dissertação é a concepção de tempo e espaço:

  • Espaço: É a forma da sensibilidade externa. Todos os objetos percebidos externamente são organizados no espaço.

  • Tempo: É a forma da sensibilidade interna. Todas as percepções e representações estão necessariamente sujeitas ao tempo.

Kant enfatiza que espaço e tempo não são propriedades intrínsecas das coisas em si, mas estruturas da mente humana que organizam a experiência sensível. Essa ideia marca uma ruptura com as concepções anteriores, que tratavam espaço e tempo como entidades absolutas ou relações entre objetos.


4. Conhecimento e Suas Limitações

Kant distingue entre dois tipos de princípios que regem o conhecimento:

  1. Princípios do Mundo Sensível: Relacionados às condições empíricas de percepção e experiência.

  2. Princípios do Mundo Inteligível: Baseados na razão pura, que opera independentemente da experiência sensível.

Ele argumenta que a razão humana possui limites e não pode conhecer diretamente os noumena. A metafísica tradicional, segundo Kant, erra ao tentar aplicar os princípios do mundo sensível para compreender o mundo inteligível.


5. A Relação entre Sensibilidade e Entendimento

Na dissertação, Kant sugere que a sensibilidade e o entendimento operam de maneira independente:

  • Sensibilidade: Fornece os dados brutos da experiência através das formas de espaço e tempo.

  • Entendimento: Processa esses dados e os organiza em conceitos racionais.

Essa separação, no entanto, prepara o terreno para a ideia posterior de Kant na Crítica da Razão Pura, de que a sensibilidade e o entendimento trabalham juntos para possibilitar o conhecimento.


6. Metafísica e Teologia

Kant aborda questões teológicas na dissertação, examinando a ideia de Deus e o uso da razão pura na metafísica. Ele sugere que, enquanto a sensibilidade está confinada ao domínio dos fenômenos, a razão pura pode especular sobre o mundo inteligível e questões como a existência de Deus. No entanto, ele adverte contra extrapolações indevidas que vão além das capacidades humanas de conhecimento.


7. Contribuições Filosóficas da Obra

A Dissertação de 1770 é crucial por várias razões:

  1. Fundação para a Teoria Crítica: Estabelece conceitos fundamentais, como a distinção entre fenômeno e noumenon, que serão aprofundados na Crítica da Razão Pura.

  2. Início do Idealismo Transcendental: A ideia de que espaço e tempo são formas da sensibilidade, e não propriedades intrínsecas das coisas, inaugura a abordagem transcendental de Kant.

  3. Resolução do Dualismo Epistemológico: Kant delineia como a sensibilidade e o entendimento podem coexistir sem se contradizer.


8. Transição para a Fase Crítica

Após a publicação da dissertação, Kant percebeu a necessidade de um aprofundamento. Ele começou a questionar mais profundamente como o entendimento humano poderia sintetizar os dados sensíveis e formar conhecimento objetivo. Isso o levou à elaboração do conceito de categorias do entendimento e à formulação do "Copernicanismo" filosófico, que inverte a relação tradicional entre sujeito e objeto.


Conclusão

A Dissertação sobre a Forma e os Princípios do Mundo Sensível e Inteligível marca um momento decisivo na trajetória intelectual de Kant. Embora ainda inserida no contexto do racionalismo dogmático, a obra revela um movimento em direção à crítica dos fundamentos do conhecimento humano, que culminará em sua filosofia transcendental madura. Kant redefine o papel da sensibilidade e do entendimento, estabelecendo uma base para uma metafísica renovada e um entendimento mais claro dos limites da razão humana. 

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